
Thais Beltrame é artista visual, natural de São Paulo.
Seu trabalho, formalizado em desenhos, objetos, livros, gravuras e instalações estabelece relação direta com a literatura. Em sua estrutura de narrativa possui um vasto repertório poético, que sutilmente introduzido e elaborado, confere densidade à aparência exterior de simplicidade e delicadeza. Sua paisagem artística é permeada pela tensão permanente de um porvir.
Formada em Artes Visuais pelo Columbia College Chicago, Thais participou de diversas exposições individuais e coletivas em cidades no Brasil, Europa e Estados Unidos, onde também foi selecionada para Residências Artísticas. Seu trabalho já ilustrou e recebeu destaque em diversas publicações nacionais e internacionais, como a revista Juxtapoz Art & Culture e a revista da ópera de Munique. A artista também ilustrou mais de uma dezena de livros; alguns deles receberam importantes láureas, como o Prêmio Jabuti, e integraram seleções de destaque.
Thais vive e trabalha na Serra da Mantiqueira.
Thais Beltrame, guardiã do nosso recuo
por Márcia Tiburi
O que primeiro chama nossa atenção nos desenhos de Thais Beltrame são as crianças. Junto delas, as árvores, os animais, uma casa. E a primeira impressão é de um mundo de delicadeza em que poderemos passear e esquecer dos medos, das obrigações, dos vícios. Como se alguém nos convidasse a comer um doce, paramos para descansar.
O estranho deserto em que somos adultos ainda não começou. Tudo parece travessia e, ao mesmo tempo, a sensação é de um recuo possível. Um mundo perdido de um tempo atrás está a salvo, resguardado.
Então olhamos um pouco mais. A infância, verdade absoluta de quem permanece sobre a terra, arrebenta como o segredo da semente na umidade calorosa que promete o que há de vir. Não há garantias. Os segundos, antes calados na experiência amorfa da vida diária, devoram nossos olhos vagarosamente. A delicadeza de antes é véu de seda para quem ainda não percebeu o pesado veludo que reveste a existência.
O tempo, miasma sutilíssimo, pede-nos que entremos na madrugada. É noite na experiência vivida em que nunca fomos senão a impressão de um encantamento. A atenção, essa virtude infantil que perdemos um dia, está prestes a ser recuperada.
Com um olho só, tendo o outro na mão a ser guardado no bolso, vigiamos o pensamento. Talvez não sejam crianças e não atravessem um mundo inóspito. Talvez não estejam sós, como nós possivelmente não estamos. Então, por que a vida é o cenário onde se traça um mistério, o brilho claro sob as árvores, e antes delas, ilumina o escuro desde há muito carregado dentro de cada um de nós. Um outro, miúdo, quase escondido, pede quietude, abre-nos uma porta. E, conquistada a paragem silenciosa do instante, sugere passagem.
O que por fim chama a atenção reencontrada entre as sombras da floresta, como uma pétala no meio do caminho, um pássaro que voa para trás, é a pequena porta que ficou no tempo de antes, cuja chave perdemos.
Thais Beltrame é a guardiã que detém a chave sem a qual somos caule seco de uma árvore morta, uma folha em vão, ossos descarnados do animal em pé. Eterna viagem sem rumo.
A chave tem o nome de beleza. Está acessível a quem, com as lentes cinzentas que – escondendo – mostram o dia, descobre que o mundo é um desenho invadindo o instante finito a que chamamos vida.
Podemos, assim, atentos como nunca, e em direção ao nunca, recomeçar.”